O amor é feito e desfeito de carinho, beijo e cheiro. É palco de euforia, de encontro, de abraços, e é também testemunha de frustração, pequenas solidões, tristeza ranheta que aperta o coração confuso. O amor tem um sistema de compensação: dos prós e dos contras das relações e das pessoas ele exige sempre um saldo positivo. No fim das contas o amor quer que valha a pena viver, propondo que se deva acreditar no que é bom e valorizar os acontecimentos positivos. Amor é superação do que é menos bom, a vitória da gratidão sobre a cobrança, para que se viva conscientemente o valor profundo do que parece simples, daquilo que é comum. Ele permite que as coisas da vida, mesmo as mais cotidianas, tenham mais importância do que as grandes conquistas. Ele inverte a lógica do sucesso.
A amor é adotivo. Não se funda em relações de sangue. Debocha das construções ideológicas de pertencimento de humanos por outros humanos. Ele cresce na liberdade de configurações improváveis, nos encontros inesperados, debochando das pré-concepções. O amor não estuda antropologia, nem tem partido político, não se submete a determinismos ridículos. O amor é livre e liberta os mortais para amar, sem tipologias, sem amarras, sem vestir cangalhas pesadas. O amor é escolher amar.
Amar tem efeitos colaterais: não há belo sem senão. Tem desencontros dolorosos, tem cegueiras momentâneas, tem dor. Amar tem dor, como as dores do crescimento, tributo inevitável da evolução humana. Amar é o desafio do qual não se pode fugir no caminho de uma vida plena, vida de abundância. Paga-se o preço, ama-se. É o nosso destino como seres de afeto, crias de ternura que urge, que tarda, que ruge. Amar é cura, é fruta permitida. Amar é salvação.
O amor é adoção. É a escolha do salto no escuro em busca do trapézio salvador. É a opção pelo vento no descampado: a aceitação do imponderável, do imprevisível, na esperança vívida da vitória. É querer cuidar do outro, vê-lo crescer e ser feliz. Amar é se tornar curador da alma de alguém. É adotar. Se fazer pai, se fazer mãe. É se livrar das correntes do biologismo, patético e moralmente raquítico, amando o desigual, o diferente. Amar cria um DNA novo, que não se mede no laboratório, não se submete aos genes. Amar gera o DNA da alma. Cria a identidade pelos valores que são partilhados durante a caminhada, firmando-se pelos beijos que são estalados nas bochechas macias, nas pirraças que são enfrentadas, nas comidinhas feitas de improviso, nas brincadeiras gargalhentas que se inventam. Amor se inventa.
O amor é adotar. Quem ama adota ou filho biológico seu o dos outros, tanto faz. Adota gente. Adota almas. Enfrenta as dificuldades, vence os perrengues, arruma dinheiro, troca de casa, conversa na escola, arruma professor particular, procura ajuda, beija, cheira, chora, ri. Amar é só dez por cento de preguiça, no domingo de manhã, oásis sem correria. No resto, é filme de ação, protagonismo do cuidado desenfreado, das preocupações sucessivas. Amar é ser pai adotivo. Amar é ser mãe adotiva. Amar é ser pai de verdade. Amar é ser mãe de verdade. Amar é Deus. É Deus.
DO QUE O AMOR É FEITO?
Sávio Bittencourt - Pai por adoção de 5 (entre eles, biológicos e adotivos), Procurador de justiça do RJ.
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